Selecionadas e implantadas as medidas consideradas
adequadas para mitigar um dado impacto, é fundamental que as
mesmas sejam avaliadas quanto a sua eficiência* e
eficácia**, não só para que se
identifiquem correções específicas no
âmbito do projeto, mas, em uma visão mais ampla,
para que se construa uma base de conhecimentos e
avaliações capazes de embasar futuros
procedimentos em situações análogas (BECKMANN et al. 2010;
CALTRANS 2009). Ambos enfoques se
enquadram em etapas fundamentais do processo de
“gestão adaptativa”, proposto por SALAFSKI
et al. (2001) como uma forma
adequada de maximizar resultados nas áreas de
conservação da biodiversidade e manejo de
recursos naturais. Este processo tem como ponto fundamental a
incorporação da pesquisa nas
ações de conservação,
integrando no seu delineamento conceitual e estratégia de
gestão o monitoramento sistemático das suas
práticas, com o objetivo de avaliá-las,
adequá-las e incorporar o aprendizado das
experiências. Em síntese, a
avaliação de fases anteriores subsidia a
readequação das etapas seguintes e incorpora
conhecimento ao processo.
As etapas propostas para implantação da
gestão adaptativa (Tabela 5) são perfeitamente
adaptáveis e coerentes com a temática do conflito
rodovias e fauna, inclusive no plano da gestão governamental:
Tabela
5. Etapas do processo de gestão adaptativa (SALAFSKY
et al. 2001) e
possíveis ações e
definições no contexto da gestão do
licenciamento ambiental.
Etapa
|
Procedimento
proposto
|
Correspondência
no âmbito do licenciamento ambiental
|
Início
|
Definir um objetivo claro e comum. |
Minimizar ou evitar os impactos das rodovias
sobre a fauna. |
Passo A
|
Definir
um modelo do sistema de gestão. |
Fundamentar
a tomada de decisão em critérios claros e
metodologicamente uniformes. |
Passo B
|
Desenvolver um plano de gestão que
maximize os resultados e o aprendizado. |
Incorporar definitivamente protocolos de
monitoramento para avaliação e
readequação das medidas mitigadoras implantadas. |
Passo C
|
Desenvolver
um plano de monitoramento para testar as
proposições. |
Definir
objetivos e metodologias adequadas para avaliar as medidas
implementadas. |
Passo D
|
Implementar os planos de
gestão e monitoramento. |
Passo E
|
Avaliar
os dados obtidos e divulgar os resultados. |
Repetição
|
Utilizar os resultados na
definição das ações futuras
(aprendizado). |
Assim como no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa a
avaliação da efetividade das medidas adotadas
é realizada como prática habitual, mas
também carece de padronização nos
métodos e desenhos amostrais, fato que dificulta a
comparação dos resultados obtidos. Inicialmente
há que se definir o que deve ser considerado
“eficiência” de uma medida mitigadora: se
a redução no número de mortes em geral
ou de uma determinada espécie, o grau de
utilização das passagens de fauna ou o uso pelo
grupo-alvo. Também se pode desejar aferir se as mesmas
são realmente as mais eficazes na
manutenção das densidades populacionais, da
biodiversidade ou da conectividade, além de diversas outras
variáveis a serem eventualmente consideradas (BANK
et al. 2002; BECKMANN et al. 2010)
Sabe-se que os custos e a duração do
monitoramento são diretamente relacionados à
complexidade do grau de organização
biológica que se deseja avaliar (BECKMANN et al. 2010).
Este, portanto, é outro fator a ser considerado na
definição do desenho experimental, pois nem
sempre a duração e o número ideal de
replicações, no tempo e no espaço,
são compatíveis com os recursos
disponíveis e a dimensão do empreendimento sendo
licenciado. A sazonalidade, representada pelas
estações do ano ou pelo regime
pluviométrico, conforme a região em estudo,
é outro fator a ser considerado, não somente no
diagnóstico, mas também no monitoramento (MATA et al. 2009).
Da mesma forma, a área de influência de um dado
empreendimento pode não abranger extensões
adequadas para estudos referentes a processos ecológicos
mais complexos, que talvez fujam à responsabilidade do
empreendedor e ao âmbito de um processo específico
de licenciamento, conforme abordado no item 1.2. Diagnóstico
ambiental. Portanto, na fase atual de conhecimento
da ecologia de estradas, dados básicos como a
redução na taxa de atropelamentos, grau de
utilização das passagens de fauna e respostas
diferenciais das espécies a estas estruturas ainda
são de grande importância para avaliar a
eficácia das estratégias adotadas.
ROEDENBECK et al.
(2007) destacam que as motivações
sociais e econômicas relegam os aspectos
ecológicos a um segundo plano no planejamento do sistema
viário. Para alterar este quadro, no qual as
questões ambientais se inserem principalmente por meio do
pouco objetivo “princípio da
precaução”, e não de
argumentos científicos consistentes, recomendam que as
pesquisas no campo da ecologia de estradas atendam duas premissas
básicas: a) sejam diretamente relacionados às
questões práticas do planejamento e
construção rodoviários, e b) tenham um
desenho experimental que incorpore alto valor a evidências.
Portanto, a despeito das diversas abordagens metodológicas
possíveis neste campo da ciência, o licenciamento
ambiental deve prioritariamente se valer daquelas que resultem em
evidências diretas, objetivas e quantificáveis, da
relação causa-efeito entre a
construção das estruturas viárias e a
fauna.
A capacidade de extrapolação dos resultados
obtidos um dado empreendimento é relativamente limitada,
devido aos inúmeros fatores que distinguem os diferentes
contextos analisados (composição de
espécies, extensão dos hábitats,
características das rodovias, relevo, etc). Entretanto, a
capacidade de obtenção de dados em um
número substancial de empreendimentos licenciados torna
possível a consolidação de um banco de
dados que contemple diversas situações, muitas
das quais eventualmente apresentarão bastante similaridade
com o contexto em estudo, oferecendo subsídios para um
prognóstico mais confiável.
Poucas informações existem sobre as taxas de
sucesso da travessia da fauna em trechos nos quais não
existem sistemas de mitigação. É uma
informação de difícil
obtenção, ainda que existam métodos
que possam ser adaptados para acessá-la, tais como
armadilhas de pegadas, monitoramento por vídeo e telemetria,
e de grande importância na avaliação da
real efetividade e necessidade destes sistemas.
Em termos de período a ser monitorado, são
observadas diferenças de país para
país: enquanto no Brasil não existem
padrões fixos, mas uma tendência de serem exigidos
no mínimo dois anos de monitoramento após a
entrada em operação da rodovia (existindo casos
como a rodovia Rota do Sol, RS 486, licenciada pelo IBAMA, na qual o
monitoramento de atropelamentos já se estende por mais de 10
anos), na França, por exemplo, é exigido um ano
de monitoramento com reavaliação após
cinco anos de operação (BANK
et al. 2002).
*Eficiência
é fazer certo; é o meio para se atingir um
resultado; é a atividade, ou, aquilo que se faz.
**Eficácia é a coisa certa; é o
resultado; o objetivo: é aquilo para que se faz, isto
é, a sua Missão.
Fonte: Bernardo Leite Consultoria Empresarial (https://www.bernardoleite.com.br/bl/artigos.asp?id_artigo=8)
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