A avaliação
de quanto um impacto ambiental é significativo carrega muito
de subjetividade, pois o grau em que uma
alteração ambiental (impacto) pode ser tolerada
depende muito dos valores e conceitos de quem analisa a
situação (SÁNCHEZ
2008). “Qual o número de mortes que uma
espécie pode suportar sem consequências
significativas para sua conservação?”
é uma questão biológica essencial para
avaliar a necessidade e o grau de mitigação de
uma obra rodoviária, porém de difícil
resposta (SEILER & HELLDIN 2006).
Além da perspectiva biológica propriamente dita,
fatores legais, econômicos, de segurança do
tráfego, éticos e relacionados à
política ambiental também devem ser considerados (SEILER
& HELLDIN 2006). Embora todos devam ser pesados e
considerados na tomada de decisão, o presente trabalho tem
como foco principal o processo envolvido na
avaliação do impacto e tomada de
decisão sob as perspectivas biológica e
ecológica, provavelmente aquelas com maior grau de incerteza
e relevância. Um diagnóstico contendo
informações qualitativas e quantitativas
objetivas e confiáveis facilita sobremaneira a tomada de
decisão no âmbito do licenciamento da rodovia,
momento em que o órgão ambiental deve decidir
quais medidas devem ser adotadas para neutralizar, mitigar ou compensar
os danos ambientais. Nos casos em que é viável
técnica e economicamente a
neutralização, teoricamente o impacto
não ocorrerá, devendo ser executado apenas o
monitoramento da operação do empreendimento para
constatar a eficácia da alternativa adotada. Para os
impactos inevitáveis, a compensação
ambiental, inerente aos processos de licenciamento ambiental baseados
em Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e financiada pelo empreendedor,
é a contrapartida, prevista pela
legislação, ao dano.
Reunidos os dados do projeto e do diagnóstico efetuado para
subsidiar a análise do licenciamento prévio, o
órgão licenciador deve ser capaz de verificar se
foram identificados corretamente os trechos prioritários, os
grupos animais de interesse, a dimensão dos impactos sobre a
fauna, e finalmente propostas as medidas mitigadoras mais adequadas.
É necessário que, além da
visão específica do empreendimento em foco, o
gestor ambiental o contextualize em relação ao
restante da malha viária, situação dos
ecossistemas regionais e estado de conservação
das espécies. Um Sistema de
Informações Geográficas consistente
deve ser mantido pelo órgão ambiental, servindo
tanto como elemento de verificação de
informações apresentadas nos estudos ambientais
quanto para a formação de um quadro em menor
escala que contextualize o empreendimento.
Informações úteis e
disponíveis em várias fontes incluem modelos
digitais de elevação do terreno (dados da Shuttle
Radar Topography Mission são disponibilizados gratuitamente
pela NASA, em https://srtm.usgs.gov/),
mapas hidrológicos e de vegetação,
áreas prioritárias para
conservação da biodiversidade (https://mapas.mma.gov.br/i3geo/datadownload.htm)
e sistemas viários existentes.
As principais perguntas a serem respondidas dentro da perspectiva
biológica do processo de tomada de decisão
(Figura 9), com base nas informações reunidas e
no conhecimento acumulado sobre o assunto, são:
a. Qual a magnitude prevista dos impactos sobre a fauna?
b. Há como classificar espacial e temporalmente os impactos?
c. Qual a medida mais adequada para propiciar a
mitigação?
d. Qual o efetivo impacto da rodovia e a eficácia das
medidas adotadas?
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Figura
9. Fluxograma básico para tomada de decisão
referente aos impactos das rodovias sobre a fauna, com ênfase
na perspectiva biológica. Excetuando a perspectiva legal, as
demais (segurança, ética e biológica)
não obedecem a uma classificação
hierárquica.
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Respondidos os dois primeiros
questionamentos, deve ser delineada a medida mais efetiva para reduzir
o impacto sobre a fauna. A experiência acumulada ao longo das
últimas décadas e registrada na literatura indica
que algumas das alternativas conhecidas têm melhores
resultados para grupos específicos de animais, para
condições topográficas particulares,
ou apresentam uma relação
custo-benefício que não guarda razoabilidade com
o impacto previsto. O item 2.
Medidas mitigadoras apresenta a
descrição e indicação das
alternativas levantadas por meio de extensa revisão
bibliográfica, sendo essencial que todos os
técnicos envolvidos no processo (consultores, executores e
gestores) tenham conhecimento de suas características.
Para que seja selecionado o dispositivo adequado, é
necessário que, anteriormente, seja identificada qual
estratégia se pretende adotar, em
função dos efeitos mais relevantes previstos.
Para isso, deve ser buscado o suporte das pesquisas já
realizadas no campo da ecologia de estradas. Por exemplo, em
simulações desenvolvidas por JAEGER & FAHRIG (2004), a
mortalidade se mostrou o componente determinante para a
persistência de populações. A
revisão realizada por FAHRIG
& RYTWINSKI (2009) identificou que os principais
grupos animais a sofrerem impactos negativos das estradas em termos de
abundância foram os répteis, anfíbios e
grandes mamíferos, nos quais a mortalidade se apresenta como
elemento determinante da redução populacional.
Também existe indicação de que a
redução da diversidade genética
está significativamente relacionada à mortalidade
e não aos efeitos de barreira (JACKSON & FAHRIG 2011).
Portanto, pode-se inferir que a evitar a mortalidade deve ser uma
estratégia prioritária de
mitigação. Adicionalmente, deve-se buscar
restaurar o quanto possível a permeabilidade original do
ambiente, de modo que os processos ecológicos se processem
com a menor interferência do fator externo, a rodovia. Os
conceitos de conectividade e permeabilidade também
são importantes no planejamento da
mitigação dos impactos das rodovias sobre a
fauna. Entre as diversas definições encontradas
na literatura, conforme expostos por COLLINGE
(2009), HILTY et al. (2006)
e LINDENMAYER
& FISCHER (2006), por exemplo, podemos considerar a
conectividade como um conceito baseado na terra, ou seja, as estruturas
físicas que possibilitam o deslocamento entre dois
ambientes. É importante introduzir o conceito de
permeabilidade para que atinjamos a efetividade na
aplicação das medidas mitigadoras. Baseado no
animal, este conceito se relaciona aos caminhos e padrões de
deslocamento, característicos das espécies e
variáveis entre elas. Desta forma, mesmo oferecendo
estruturas físicas (conectividade) podemos não
estar propiciando permeabilidade, se não forem consideradas
na definição de sua
localização, tipo e
configuração, as características da
comunidade faunística a que se destinam (BISSONETTE
et al. 2007). Portanto,
é essencial que a escolha das medidas mitigadoras esteja
embasada em um diagnóstico prévio adequado,
realizado conforme as recomendações do item 1.2. Diagnóstico
ambiental.
No contexto da ecologia de estradas, em que os fragmentos considerados
sempre estão bastante próximos, a
princípio a situação parece menos
complexa do que quando se pensa em estabelecer
ligações entre fragmentos distantes, nos quais
há que se prover um hábitat capaz de internamente
manter comunidades e não apenas servir como corredor de
passagem. Em corredores com pequena extensão, como as
passagens de fauna que se pretende criar para mitigar a
fragmentação provocada pela rodovia, parece ser
suficiente que seus aspectos estruturais
(inclinação, largura, altura), os mais
importantes, segundo AHERN et al. (2009)
e CLEVENGER & WALTHO (2005),
permitam a movimentação dos animais, apresentem
características que não venham a repelir sua
utilização (luminosidade, cobertura vegetal,
nível de ruídos, umidade, temperatura e
substrato, por exemplo) e sua localização seja
compatível com os hábitos e padrões de
deslocamento das espécies às quais se destinam.
De acordo com o nível de organização
que se pretende enfocar (espécie(s)-alvo ou comunidade, por
exemplo) ou os efeitos que se deseja mitigar, diferentes
ações devem ser consideradas. Por exemplo, se
considerarmos que a redução ou
eliminação de mortalidade por atropelamento
é o essencial, a instalação de
barreiras (cercas, muros ou meios-fios) é mais importante do
que a disponibilização de passagens. Caso se
identifique a necessidade de permitir o acesso a hábitats
vitais, passagens que possam ser utilizadas por um variado espectro de
espécies são a melhor alternativa a ser
implantada. Se a fragmentação oferecer risco
à manutenção de áreas
mínimas de vida (home range) para as
espécies existentes no local, devem ser propiciadas
condições de passagem para que os
indivíduos disponham de uma área
compatível com suas características
ecológicas. Se considerarmos apenas a
manutenção da dinâmica de
metapopulações, que pode ser obtida mesmo com o
fluxo de um número reduzido de indivíduos por
geração, AHERN
et al. (2009) sustentam que esta
pode ser mantida mesmo sem estruturas específicas de
passagem, diferentemente das exigências quando o foco
são indivíduos ou
populações. Entretanto, como em certas
situações a barreira formada por alguns tipos de
rodovias pode inibir intensamente até este fluxo
mínimo, é importante que se procure
disponibilizar meios para que seja aumentada a probabilidade de
ocorrência destes deslocamentos. Excetuando-se
situações particulares, alguns
princípios básicos devem nortear a tomada de
decisão: os locais escolhidos devem possuir
feições topográficas adequadas
à movimentação de fauna, as estruturas
devem ser passíveis de utilização pelo
maior número de espécies possível, os
hábitats a serem conectados devem ter viabilidade de
conservação futura e integrarem uma rede mais
ampla de corredores (BECKMANN et al. 2010).
A tomada de decisão, portanto, deve estar fundamentada
claramente nas respostas aos questionamentos levantados, indicando
quais os objetivos das medidas propostas, e como e onde devem ser
implantadas. Adicionalmente, conforme abordado no item 3. Monitoramento,
deve ser prevista a metodologia para avaliar a efetividade das mesmas,
conferindo a desejável característica adaptativa
ao processo, por meio de sua contínua
reavaliação e eventual
proposição de adequações.
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